Aplicação de multa abusiva e desproporcional a empresa privada
11 de dezembro de 2020
Vale destacar, inicialmente, a necessidade de que as multas na esfera consumeristas sejam exem-plares, de modo a coibir a atuação nociva de empresas perante a coletividade vulnerável. No entanto, a multa não deve ser tão baixa, a ponto de não servir como punição e nem inibição da empresa infratora, nem tão alta de modo a não mais se distinguir entre gradações de gravidade da conduta.
Em pese as alegações de proporcionalidade e razoabilidade, o Procon: órgão fiscalizador, que realiza a defesa e proteção do consumidor no Brasil, vem chamando a atenção do Poder Judiciário diante as inúmeras atuações arbitrárias, com imposições de penalidades e multas estratosféricas, desarrazoada ao particular (leia-se empresas privadas), o que não por outro motivo, está sendo passível de controle pela Justiça.
Nesse sentido, se faz necessário observar que o artigo 57 do Código de Defesa do Consumidor dispõe 03 (três) parâmetros que devem ser observados para que a multa administrativa possa ser imposta aos jurisdicionados: a) a gravidade da infração; b) a vantagem auferida; E c) a condição econômica do infrator. Evidentemente, os critérios previstos são CUMULATIVOS, de modo de que a não verificação de qualquer um deles afasta a própria aplicação da penalidade.
Na grande maioria dos casos analisados, para justificar a imposição de penalidades exorbitantes, o Procon, em vez de demonstrar concretamente sua adequação, alega de maneira simplória, no âmbito do processo administrativo, que a aplicação da multa consistiria em ato discricionário que incidiria, a seu favor, a presunção de legitimidade de veracidade dos atos administrativos.
Oportuno dizer, a administração, dentre as possíveis medidas a serem tomadas para salvaguardar o interesse público, não deve adotar aquela que se mostra mais gravosa ao particular, quando, por exemplo, existe uma outra solução, menos onerosa, que de igual forma preserva o interesse público.Isso porque, em agindo dessa forma, não estaria agindo de maneira razoável e proporcional, o que não deve acontecer.
Para se ter noção do tamanho impacto, à título de exemplo, em 2019, o Procon/SP aplicou R$ 330 milhões de reais em multas. No corrente ano de 2020, os valores ultrapassam vultosos R$ 500 milhões de reais. Vale dizer, as multas devem ser aplicadas, porém, jamais devem ser arbitrárias, como sustentado neste artigo. Se arbitrárias, caberá ao Poder Judiciário realizar o controle de legalidade.
Nesse sentido, como já decidido pelo Tribunal de Justiça doEstado de São Paulo, os atos administrativos punitivosnão consistem em atos discricionários.Ademais, ainda que assim não fosse, discricionariedade, como se sabe, não se confunde com arbitrariedade:
“ Apelação ação anulatória de auto de infração exarado pelo PROCON e de cancelamento da multa solução de reclamações por vício em produtos após o prazo de 30(trinta) dias aplicação da penalidade fundada no §1º do art. 18 do CDC inobservância, contudo, do princípio da PROPORCIONALIDADE na mensuração do valor da multa, baseada apenas na condição econômica do infrator, quando deveriam prevalecer os critérios de gravidade da infração e de vantagem auferida, igualmente relacionados no art. 57 do CDC mantida, no entanto, a aplicação da multa, limitada a 10% do valor original, RAZOABILIDADE que atende ao padrão legal sentença reformada em parte. Recurso parcialmente provido.”
(Ap.1015531-62.2014.8.26.0053, Rel. Venício Salles; 12ª Câmara de Direito Público TJSP; j. 15.06.2016).
Quanto ao importe das penalidades aplicadas, a jurisprudência do Tribunal de Justiça de São Paulo é uníssona no sentido de afastar multas confiscatórias que afrontam os princípios administrativos da razoabilidade e da proporcionalidade
“ Ementa:
I Anulatória de auto de infração e da multa PROCON – Sanção decorrente de valor cobrado por instituição financeira a título de emissão de boleto bancário – Possibilidade Infração foi verificada.
(…)
IV Gradação da multa – O Judiciário pode controlar os atos administrativos punitivos e reduzir o valor das multas aplicadas, mesmo considerando os conceitos usados na dicção legal que se referem à gravidade da infração, à vantagem auferida, à condição econômica do fornecedor do dano causado aos consumidores. Não se cuida de discricionariedade outorgada ao Órgão Administrativo para que aplique, a seu talante, a punição desejada dentro das balizas da Lei. O Judiciário pode verificar e analisar a aplicação da sanção, reconsiderá-la, revê-la e reduzi-la, por não se cuidar na espécie de discricionariedade, mas aplicação de pena de acordo com os conceitos indeterminados existentes na norma administrativa, que tem conteúdo mínimo de discrição, pois os núcleos dos conceitos podem ser aferidos pelo Órgão Julgador por não se cuidar de ampla liberdade outorgada pela norma ao administrador público.
V Sentença de procedência. Recurso parcialmente provido para julgar procedente em parte a demanda, reduzindo a pena para R$ 80.000,00, atualizados desde a citação e invertidos o ônus da sucumbência.”(Ap. 0016234-49.2010.8.26.0053, 7ª Dir. Pbl. TJSP., Rel. Des. Guerrieri Rezende, j. 10.10.2011).
E mais, quando a extensão do dano social é irrelevante e quando há ausência de prejuízo/impacto econômico aos consumidores e a sociedade, que inclusive, tiveram as reclamações sanadas pela executada, há decisões proferidas pelos Tribunais Superiores que determinam a redução da aplicação da multa excessiva, quando desproporcional à gravidade da infração.
Portanto, quando lavrados os autos de infração e instaurados os processos administrativos, necessário se faz uma análise perfunctória da infração e por ventura do título executivo judicial, a fim de que seja sanada eventual nulidade ou excesso na cobrança, evitando assim, prejuízos e maiores dispêndios do particular. Não é demais lembrar que as medidas de compliance tornou-se uma obrigação nos assuntos consumeristas, eis que as empresas devem se adequar às normas dos órgãos de regulamentação para evitar que a fiscalização administrativa tenha livro aberto para realizar atuação contra a empresa.
Lucas Nasser de Mello
OAB/SP 412.652 OAB/MS 21.500